Entrei naquela casa antiga, onde tantas vezes habitara em criança com as minhas brincadeiras, com o meu crescimento natural, com a descoberta do meu ser. Foi talvez por isso que se tornou difícil esta nova visita, sabendo que seria um tipo saudoso de despedida ao meu antigo abrigo. Olho em redor e o abandono entranhado nas paredes assalta-me com uma culpabilidade estranha, fétida. Desejava gritar tantos anos de desespero contidos em mim quantos os anos de abandono daquela residência, mas não consegui! As palavras ficaram presas num sítio, de onde sei agora, que jamais conseguirão passar. Rumino a raiva e tristeza que ao longos destes anos cresceram em mim na esperança de conseguir digeri-las para o meu próprio alívio.
Chego ao espaço que em tempos foi o meu quarto para descobrir bocados do estuque caídos no chão, sinto que algo ali corresponde um pouco ao que fui noutros tempos e os pedaços no chão têm a ligação a tudo aquilo que fui abandonando no caminho, a tantas coisas que de uma estranha forma sinto que perdi. Paro à entrada, uma cama ainda feita como uma promessa de que um dia voltaria para nela me deitar, nunca voltei, esqueci o espaço de refúgio como quem esquece alguma coisa de que não gosta, mas no entanto eu sei que gostei, que gosto. Talvez seja o fruto de tantas desavenças ocorridas por sua causa que me deixem esta sensação de amnésia. O meu antigo desejo de voltar a habitar aquele espaço quando regressei a esta cidade, sem a necessidade de ir tomar a vida de outros como minha, vida na qual nunca realmente me integrei.
Procuro nas gavetas as recordações que sei terem ficado ali retidas, presas com o pó que agora se acumula sobre os móveis, sobre a cama. A máquina de escrever em cima de secretária, os livros da primária dentro de uma gaveta qualquer. Sei que foi ali, naquele canto que aprendi tantas coisas e, no entanto, ali deixei tantas outras coisas que decidi apagar para sempre da minha recordação. Abro o armário para ver que neste diminuto espaço estão ainda uma calças e dois robes, o seu tamanho torna-se ridiculo face ao tamanho que o meu frágil corpo apresenta hoje em dia.
Voltou-me para sair, deixando o espaço antigo para trás como o fizera há tantos anos atrás. Desejo rapidamente guardá-lo novamente no doce sabor do esquecimento, de quem nunca ali antes tinha feito a sua vida. Olho para a mesa do hall de entrada onde antigamente, um pouco acima, um espelho estivera pendurado, hoje está partido em cacos aos pés dessa mesma mesa. Descubro que em cima desse pequeno móvel se encontra uma placa, tento lê-la com a pouca luz que entra para aquele espaço. Fazendo um esforço lei-o com alguma dificuldade Vende-se, seguido de um nome de uma qualquer imobiliária. Naquele momento parece que o mundo pára de girar, dá-se um aperto que não sentia há tanto tempo e fico ali, também eu parado a um ritmo de uma melodia inaudível. Viro-me, desta vez direito à porta, pronto para sair. Dou um relance à placa em cima daquela mesa e apercebo-me que não é só uma casa que ali está à venda, é um pouco do que fui, um pouco de uma felicidade que ali conheci em tempos, sabendo que nunca mais voltará a repetir-se com a mesma inocência que aconteceu quando dali saí com uns singulares 10 anos. Fechei a porta, sabendo agora com toda a certeza do meu ser que aquele tinha sido um adeus definitivo a uma parte, ainda que pequena, da minha vida.
1 comentário:
Nunca percebi pq é que habitares essa casa foi sp tão complicado, a mim sp me pareceu simples e axo q para ti tb teria sido melhor.
Percebo a tua dor na separação da casa, até hj apenas me separei uma vez de uma casa e não era a minha. Mas dei cmg a correr para a porta para não desatar a chorar, porque para canto que olhava tinha uma história para contar, uma emoção para sentir... aí percebi que aquela casa era mais que as paredes que a sustinham.. e senti uma dor imensa.
mas apesar de tudo mike, hhj sei que essa casa mora em mim e de vez em qd a vou visitar. porque apesar da realidade andar para a frente, a memória e a imaginação andam para trás...
beijos grandes
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