terça-feira, julho 26, 2005

Magia

Olhava pela janela pintada de branco. À sua frente a enormidade do mar azul enchia-lhe o espírito com um toque suave de nostalgia fazendo com que se sentisse meio embriagado com aquele cheiro salgado do ar. Era Primavera e as andorinhas já andavam freneticamente preparando os seus ninhos nos parapeitos e rebordos dos tectos brancos daquelas moradias que ficavam um pouco mais ao fundo e para a esquerda. Sentia o calor agradável desta manhã como quem está na praia ao final do dia quase adormecido com o som suave das ondas a bater na areia. Promessas de novidades enchiam o ar que respirava dentro daquela casa, a mesma casa onde em tempos tão longínquos sentira as modificações da sua breve adolescência, onde conhecera outros amores, outras desventuras.
As férias que decidira tirar naquela altura demonstraram-se muito necessárias ao pouco equilíbrio que lhe restava no momento. Mais ainda, fundamental para tentar salvar o que restava da sua tão longa relação. Para muitos, dez anos poderiam não significar nada, poderiam ser apenas uma pequena parte de uma vida, porém para Guilherme não era assim. Até conhecer o Gabriel nunca se tinha envolvido tão seriamente com ninguém, nunca sentira ser uma pessoa dedicada ao amor ou a uma relação a que pudesse chamar de "duradoura". Era uma pessoa livre, independente, sem nunca ter sentido grande ligação a nada nem a ninguém. Com Gabriel as coisas foram diferentes, demasiado diferentes. Por vezes pensava ainda estar a viver um tipo de sonho do qual teria de acordar, mas não queria, não queria jamais ter de acordar se todos esses anos fossem apenas um banal sonho. Sabia que não eram, obviamente. Mas como vocês, também o Guilherme sentia a insegurança de quem ama, de quem muitas vezes não compreende o porquê de ser amado.
Saiu da janela e foi para a cozinha, pairava ainda o cheiro suave do jantar do dia anterior, algo que Gabriel tão entusiasticamente tinha preparado e que se revelara algo divinal. Ficou parado ao sentir o agradável odor a invadir as suas narinas, de repente sentiu uma necessidade imensa de voltar ao quarto e beijar o seu amado. Não o fez, não o queria acordar e sabia que se o fizesse poderia assustá-lo sem necessidade. Manteve-se ali, inalando o cheiro e sentindo, com todo o seu coração, que amava mais do que conseguia entender e que no fundo do seu ser não desejaria que isso se mudasse por, pelo menos, mais dez anos. Estava na altura de começar a fazer o pequeno almoço, sabendo que o seu principal ingrediente estava intacto bem no fundo do seu coração...

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