quinta-feira, julho 12, 2007

Memória

Olho para a foto, nela reconheço a minha cara mas não sei quem és tu que estás a meu lado. Mas deves ter sido alguém importante porque me apareces numas quantas mais que tenho aqui num album escondido. Na verdade nem sei porque tenho este albúm escondido, mas agrada-me a ideia de ter um segredo que seja só meu. Na foto estou a sorrir. Sem dúvida foste alguém importante para mim embora denote no meu próprio sorriso que nem tudo corria a cem por cento entre nós, há também alguma mágoa no brilho dos meus olhos. Vejo atrás de nós um forte e uma grande extensão de mar. Eu adoro o mar sabias? Ainda hoje é das coisas que mais me acalma. Deve ter sido um belo passeio este que fizemos os dois. Noto que és um pouco mais baixo que eu e mais do que beleza tens um enorme charme. Ainda hoje seria capaz de me apaixonar por ti não fosse este quarto pequeno de hospital em que habito. Ou será um lar? Pouco importa, é claustrofóbico de qualquer das maneiras. Olho novamente a fotografia. Sim, apesar de tudo era feliz e novo. Devia ter uma idade a rondar a casa dos vinte ou vinte e cinco. Como foi que desde então tinha passado uma vida? No minimo aquela fotografia teria uns cinquenta anos. Se ainda fores vivo deves ser mais velho do que eu, tens um ar mais carregado nas fotos que aqui tenho no meu colo. Gostava de me lembrar do teu nome, mas ultimamente a minha memória tem muitas falhas, por vezes nem me lembro bem como se fazem as coisas mais simples. Fico magoado como isso de vez em quando. Não é agradável sentirmo-nos assim tão diminuídos. Mas nesta foto eu era jovem! E devia ter imensa energia. Como será o teu nome? Sei que foste importante para mim mas estás esquecido nos recantos da minha memória... A porta do meu quarto abre-se e entra uma enfermeira. - Então Sr. Oliveira como vai isso? Olho para ela com um ar que sei demonstrar aflição. - Ainda bem que chegou menina, preciso de ajuda para fazer o jantar, ele deve estar mesmo a chegar! - Ele? Mas do que é que está para aí a falar? Mostro-lhe a foto. Ela faz um sorriso algo constrangido. - Venha lá deitar-se vá que precisa de descansar. Ela dirige-se para a porta e olha sorrindo para trás, no seu pensamento habita a tristeza por aquele velhote ali deitado, que ninguém visita desde que ali entrou, estar novamente num momento de delírio. Sabe que é assim mesmo que funciona esta doença e lamenta a situação, porque na foto realmente ele parecia tão novo, tão feliz... ninguém diria que ia acabar sozinho numa cama abandonada de um lar...

3 comentários:

peter_pina disse...

nao sei se sei comementar este texto..

tao belo

creio k havera sempre uma parte escondida na memoria, onde ficam guardas as memorias...mesmo k ele nao o saiba...

suspiro

abraço

p.p.

Unknown disse...

Obrigado pelos teus comentários. Fico feliz que tenhas gostado dos textos. Estes dois foram realmente sentidos...

Nuno Gonçalo disse...

Não sei que dizer... Por isso não me vou estender muito. Direi apenas que 'We all die alone...'. Comecei a pensar nisto e sei que morrerei sozinho, por muito que me rodeie de pessoas, é um passo que todos damos sozinhos.
Abraço