sexta-feira, outubro 01, 2004

Flash

Sempre fui uma pessoa de flashes, de fotografias soltas de situações que fazem um click cá dentro. Costumo pensar que sou uma pessoa de imagens soltas que juntas constroem o que sou, mas existem situações por vezes que me deixam completamente "perdido". Imaginem o metro da baixa chiado, o caminhar na direcção às escadas que dão acesso à linha do metro, a forma como cá de cima vemos as pessoas que esperam, impacientemente ou não, pela chegada de metro. Imaginem agora que ao fundo dessas escadas está uma pessoa a vender o "Borda de água" (aquele boletim com as marés e mais sei lá o quê!) , acrescentem o facto dessa pessoa ser cega e estar completamente imovél.
Parece um cena comum, sem nada de especial, mas ao ver a situação que vos descrevi não pude sentir outra coisa se não um aperto no coração. A imagem que vi deste senhor foi a de uma pessoa transparente, um ser invisível por quem passam milhares de pessoas em poucas horas, mas que não parecem notar ou dar importância à sua presença. O que tem isto de especial? Na realidade nada, mas naqueles segundos a única coisa que me surgiu como sentimento foi solidão! O factor da sua falta de visão que o transporta para um mundo já de si tão delicado, tão solitário, tão diferente do nosso, acrescido desta sensação de passarem por ele milhares de pessoas que não se dão sequer conta da sua existência (preocupadas que vão com os seus próprios problemas se calhar tão pequenos comparados aos deste senhor...) fez com que sentisse um tremendo sentimento de abandono por parte do mundo.
Se calhar tudo isto é trauma meu que sempre detestei o sentimento de solidão, que detesto ser "ignorado" como se não existisse, mas naquele momento apenas me apeteceu abraçar aquele senhor e prometer-lhe que as coisas poderiam melhorar... obviamente não o fiz, porque se calhar ele não sentia nada do que eu senti, porque não tinha esse direito de julgar a sua vida, mas são imagens que ficam guardadas ao pó num canto qualquer da nossa memória.
São estas pequenas situações que por vezes me fazem sentir grato por todas as coisas que tenho e às quais, na maior parte do tempo, não dou o devido valor.

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