terça-feira, setembro 05, 2006

Momentos

Há quem diga que com o tempo as pessoas mudam. Penso que às vezes não é preciso o tempo na sua expressão mais longa para mudar uma pessoa. Basta um simples momento, um afecto, uma situação. Ou talvez não mude nada, nada mais do que a percepção que temos das coisas que nos rodeiam, das pessoas, do mundo...
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Sentado na esplanada, de livro aberto no colo, olhou a paisagem. Há tanto tempo não sentia por dentro a calma de um bom momento relaxante. O verde à sua volta compunha uma paisagem intimista entre o homem e a natureza e embora fossem visíveis várias edificações humanas, nenhuma delas parecia chocar realmente com o seu contexto circundante. O sol batia-lhe no rosto e o céu de um azul brilhante, típico do mês de Agosto que chegava agora ao fim, fazia-o sentir-se confortável. Pensou que aquele era sem dúvida um momento especial, do tipo que mesmo sem nenhum acontecimento marcante, a memória seria capaz de recordar passados anos e anos a fio.
Em tão pouco tempo tanta coisa mudara no seu intimo, uma capa construída ao longo do tempo por mágoas e desilusões tinha sido destruída em coisa de meses. Meses só por si conhecidos, meses de um encantamento interno desde o primeiro minuto que nunca ousara revelar, talvez nem para si mesmo... Quando olhava agora para trás percebia como tinha construído uma imagem errada, uma imagem de alguma frieza, de um distanciamento nem sempre sentido. Vivia pelo lema "nada me afecta, nada me pode destruir se eu não permitir que chegue ao meu interior". Vivia uma ilusão que não merecia.
E bastou um dia, menos até, bastou um momento, para que tudo caísse por terra. A frieza transformou-se em dádiva e o distanciamento em afecto profundo. Há quem diga que caiu de quatro pelo amor que sentia crescer por dentro, há quem diga que simplesmente perdeu o controlo. Nenhuma das duas é totalmente mentira, mas também nenhuma delas totalmente verdade. Foi o seu amor interno por si que renasceu naquele dia, foi a capacidade de acreditar nos sentimentos mais elevados, que há tanto matara por dentro, que recuperou. Foi a sua humanidade, a sensibilidade, a partilha, que naquele momento crucial conseguiu erguer do mais fundo da sua anterior desilusão. Amar tornou-se uma possibilidade presente e foi isso que o destabilizou, foi isso que criou novos sentimentos anteriormente impossíveis, que criou a instabilidade e a necessidade urgente de um porto seguro. Quem esteve mais próximo pode aperceber-se do seu crescimento, uma evolução bastante marcante que o levou a atingir novas metas, a cumprir novos objectivos.
No seu intímo sentia-se bem. Sentia algum gozo por saber que as pessoas à sua volta não compreenderiam jamais o que se passava por dentro e nem tão pouco o que se passava por fora. O som de um passáro ao longe puxou-o de volta ao seu cenário actual, olhou a serra verde à sua frente e voltou a sentir o sol que lhe batia na cara. Olhou pro lado e sorriu. A felicidade simplesmente piscou-lhe o olho e desta vez ele soube como reagir e piscou-lho de volta.

2 comentários:

Anónimo disse...

é "destabilizar", com "e", porque é algo que deixa de ser "estável" e nao "istável". bom texto.

Unknown disse...

Sim, peço desculpa pelo lapso, foi mesmo uma distracção. Já está feita a correcção. Obrigado.